O ato de contar histórias existe desde os nossos ancestrais, quando registrávamos nossas aventuras, caçadas e informações nas cavernas. Desde então absorvemos esse modo de expressar nossas vidas e dos outros através das histórias. Portanto não é algo novo, faz parte da nossa essência como seres humanos. O que mudou então? A aplicação nas corporações, justamente na prática e no dia-a-dia. Desde o resgate de memória, até uma apresentação para Conselho Financeiro, o storytelling tem sido usado e aplicado de forma prática nas Corporações. Por vezes, serve para engajar colaboradores, em outras para gerar unicidade de linguagem. Podemos usar também na construção de uma cultura corporativa, ou até no speech de um Presidente de empresa.
Como definição gosto de usar a palavra modelo ou sistema de Storytelling, sendo a combinação entre processos e técnicas para criar ou potencializar a comunicação de uma pessoa, marca ou empresa. Essa definição é da nossa empresa Storytellers e trabalhamos muito para que isso se concretize nas empresas gerando uma entrega real e positiva.
Em uma entrevista, respondi perguntas que podem explicar de forma completa, sobre o Storytelling na prática:
De que maneira ele pode ser usado para gerar engajamento das pessoas nas empresas?
Há muitas formas de usar o modelo para engajamento. Primeiro como modelo de comunicação é possível criar uma linguagem única e fazer com que as pessoas entendam o contexto da empresa. Além disso, mesmo nos momentos difíceis das empresas, é possível trazer histórias de superação entre colaboradores, histórias de aprendizado, histórias de inspiração. Assuntos difíceis de serem tratados podem ser exemplificados através de narrativas.
Como ele pode ser usado para resolver conflitos? De que maneira a área de RH pode fazer uso dele?
Acredito que muitas das empresas já utilizam storytelling, talvez não de uma forma mais estruturada e orgânica, mas as histórias já estão presentes para resolver os conflitos. No entanto, ao trazer o modelo de storytelling que usamos para a gestão de pessoas, é possível tratar da verdade humana, daquilo que nos toca e nos faz sentir que somos feitos de carne e osso. Ou seja, mesmo onde há conflitos e turbulências entre áreas, é possível trazer a verdade humana de ambas as partes. O storytelling atua aqui como o transfusor de emoções. Quebra-se também um paradigma, o de que nas empresas não podemos sentir nada e que temos que separar profissional de pessoal. Sabemos que isso não existe, há uma diferença em fazer seu trabalho com profissionalismo contrapondo ao ser emocional demais nas empresas. Não significa que todo profissional deve ser sempre racional, técnico e demasiadamente distante da vida real. Conflitos e incertezas fazem parte do crescimento e sempre existirão, é isso que nos faz humanos e nos torna melhores. O aprendizado de cada um deles é a forma que podemos trabalhar, assim como a moral da história de cada fábula. Esse é o lado positivo.
Storytelling ainda é uma novidade nas organizações ou já existem empresas que fazem um bom uso desse recurso?
Depende do recorte que usamos. Para o setor de Business to Business houve um grande avanço. Grandes corporações têm utilizado o modelo em diversos setores que vão do Marketing a contratação de talentos. Algumas empresas solicitam que pessoas que desejam trabalhar na instituição, contem sua história em formato narrativo. Empresas como Boticário, Starbucks, Mars entre outras sabem utilizar muito bem suas histórias. Temos também exemplos como Banco Itaú, que vem construindo narrativas com seus colaboradores e usuários. Ao meu ver não é uma novidade, existe o aperfeiçoamento do uso e contextos diversos para sua utilização.
Para as áreas de RH esse é um recurso que pode trazer resultados e gerar um diferencial? Como?
A maior parte das pessoas que nos contratam são da área de Pessoas. Algumas dessas pessoas já entenderam que a comunicação positiva e eficiente ,assertiva é a única forma de gerar melhor ambiente e consequentemente melhores resultados. Como expliquei anteriormente, incerteza e conflito sempre existirá, mas ele pode ser usado de forma positiva, com maturidade emocional. Algumas áreas de RH buscam melhorar capacidade de comunicação de seus líderes, outras gerar mais engajamento, outras inspirar, exemplificar, treinar. O diferencial está no compromisso da empresa com o modelo. Não basta treinar os colaboradores e não sistematizar ou aculturar a corporação. Portanto a área de RH é um recurso muito valioso, porque pode reter pessoas e sua atenção.
Pode dar algumas dicas de como construir uma boa narrativa, por exemplo, um comunicado da empresa para os colaboradores?
Essa é uma pergunta muito ampla pois há dezenas de aplicações. Se esse comunicado é para o chão de fábrica e tem como meta, reduzir acidentes, é necessário ser técnico, mas sem ser chato, explicando a preocupação que existe com cada vida nesse local de trabalho. Se o comunicado é para gerar um sentimento de unidade, por exemplo numa fusão de empresas, é preciso usar narrativas individuais complementares. Não temos uma única forma de usar a boa narrativa, mas sim muitas e que devem ser realizadas de acordo com o problema a ser resolvido. Ou seja, cada caso é único. Dicas elementares de construção podem ser aprendidas de acordo com a corporação, mas sempre recomendo o uso da transparência e ética na comunicação. O Storytelling empregado de forma errada ou mentirosa, pune todos os envolvidos. No livro que estamos lançando há um capítulo que chamamos de Estojo de Técnicas e que pode ser útil na elaboração de uma boa narrativa.
As empresas hoje falam que a diversidade é um diferencial para trazer inovação nas organizações. Como ela deve ser trabalhada na prática? É apenas contratar pessoas diversas ou tem que ter uma gestão voltada para isso? Como?
O que é diversidade? Veja que podemos entrar numa conversa baseada em ponto de vista e percepção. Há empresas que contratam grupos LGBT, isso pode ser chamado de diversidade também. Outras contratam deficientes visuais para setores onde o tato é primordial. A diversidade de skills pode ser também uma forma de trazer a inovação, mas a empresa deve se preparar para usar o que há de melhor e positivo de cada indivíduo. E deve também fomentar que a diversidade traz pensamentos divergentes; portanto conflitantes, mas que devem ser respeitados. Uma grande parte de empresas que trabalhei ou dou consultoria não fomentam opiniões diversas, ainda utilizam a hierarquia como ponto principal de decisão. No entanto é a diversidade também que faz o pensamento criativo surgir. Mas não basta contratar pessoas diversas, é necessário criar uma cultura de inovação, capacitar as pessoas e praticar a inovação de risco aceitável. Sem risco não há inovação. Sem conflitos e diversidade não há inovação. Sem inovação, uma empresa hoje não sobrevive.
Como o RH pode apoiar que a inovação aconteça dentro de uma organização? Que tipo de ações e programas podem ser realizados para isso?
São muitas as formas. Capacitar pessoas através de treinamento é uma delas. Ter espaços de pensamento criativo é importante para a nova geração. Motivar as pessoas a desenvolver seus próprios projetos pessoais e na empresa é também uma tendência. Portanto temos desde capacitação da gestão de inovação até a implementação de metodologias de inovação que podem ser usadas em toda a empresa ou determinados setores da mesma.
Quais as dicas que você dá para a área de RH ser mais inovadora? Como você disse não é apenas criar uma Apple, mas melhorar processos, olhar de uma forma diferente..
Exatamente, a Apple é inovadora, o Google também. Mas como trazer a inovação para indústria que não tem o mesmo perfil criativo e nasceram na era da velha economia? A área de Pessoas lida com o principal, talentos atuais e futuros. Recomendo que essa área atente para as novas formas de comunicar. Que também se preocupe com a retenção das pessoas não apenas pela meritocracia, mas também pelo quanto a marca corporativa atrai novos talentos. A atual situação das empresas é alta complexidade, mas de inúmeras oportunidades. Percorrer toda as áreas da empresa de forma transversal é uma dica para o RH torna-se mais inovador. Há que se moldar aos contextos diferentes de saberes e problemas que devem ser resolvidos. O RH pode ajudar as demais áreas a realizar o melhor planejamento estratégico olhando para um futuro promissor e perpetuação da corporação. Para isso é preciso ter repertório multidisciplinar, uma boa dose de resiliência e muita empatia. Gosto de pensar no RH como um grande maestro, ainda que saiba que na vida real nem sempre é assim por falta de valorização da mesma.
Você estudou a forma como os jovens consomem. Você acredita que mudou também a forma deles trabalharem?
Com certeza, nesse estudo de mestrado vi que o jovem tem alguns padrões. Entre eles a contestação é presente. Mesmo que ele esteja no Vale Ribeirinha, o acesso da informação mudou a forma de consumir qualquer coisa. Portanto seus desejos de consumo estão alinhados as expectativas de novas formas de trabalhar. Obviamente não podemos generalizar mas existe um jovem de classe média urbana que não quer se submeter a certos modelos mais antigos. A pluralidade faz parte desse dia-a-dia, ou seja, alguns tem a possibilidade de andar de carro, mas optam pelo transporte público por estilo de vida, pensamento ambiental, entre outros fatores. Dessa forma, ele busca com mais persistência a experimentação do novo sem o apago ao passado. É literalmente a Era da Modernidade Líquida que Baumman sinalizou em seus estudos. Se seus valores não correspondem ao das marcas e empresas que o buscam no mercado de trabalho, ele arruma outros meios disponíveis de legitimar sua identidade jovem. Muitos desses jovens circulam em diversos campos que podem ser distintos e conflitantes ao mesmo tempo.
E no que tange a busca desse jovem por uma empresa dos sonhos? O que atrai esse jovem hoje e não apenas os trainees (os talentos tão requisitados pela empresa), mas também os jovens de baixa renda e sem um grande currículo (não tão atrativos para as empresas)?
Temos que separar o jovem que precisa trabalhar. Como eu e muitos brasileiros ainda vivem assim. Ainda que tenhamos mais acesso à educação, ela é cada vez pior. Portanto temos uma distribuição de informação gigantesca e os jovens dentro de suas possibilidades financeiras podem buscar suas empresas dos sonhos. Mas eis que surge também o desemprego em massa na Europa e Estados Unidos, gerando a oportunidade de novos modelos de negócios. Assim ocorre com AirBnB, Uber, Easy Taxi, Waze, Instagram, Snapchat…. Muitos desses jovens com ou sem renda, sonham em trabalhar no Facebook, no Google, no Uber…e mais desejável ainda é ter seu próprio negócio de muitos milhões de dólares. A empresa dos sonhos da minha geração (sou baby boomer de 62) não é a mesma desses Millenium. Tudo está sendo desobedecido em termos de regras de comportamento.
Você sempre trabalhou com marketing e alguns RHs dizem que é essencial a união dessa área com a de Recursos Humanos. Você acredita nisso? Qual o diferencial que essa parceria pode trazer para as organizações?
Primeiramente não é possível ser bem sucedido nas empresas trabalhando isoladamente. E mesmo marcas podem não ser perenes, e o que faz a diferença numa organização são as pessoas portanto a área de RH é fundamental. Ela cuida de pessoas, capacita pessoas, energiza gente. Sempre envolvi o RH nos projetos de inovação e procuro trazer pessoas de diversos núcleos para diversificar e tornar o processo melhor e mais inovador. É um processo contínuo. O RH pode ajudar a fomentar a inovação capacitando, levando exemplos, pessoas, eventos, buscando se aproximar de pessoas que atuam no mercado para uma co-criação. É mais estimulante, potencializa recursos e gera a médio prazo ganhos na cultura mais inovadora. Sempre que possível trabalhei ao lado da área de RH e alguns projetos foram liderados em conjunto com resultados muito melhores do que anteriormente. Acredito que as áreas juntas podem trazer mais engajamento e resultados de satisfação no ambiente, mais eficiência e construção de cultura positiva.
É fundamental entender que vivemos uma nova era. Uma era de mutação e de experimentação. Acredito que é o início de algo muito maior, assim como foi a Revolução Industrial, estamos começando a ver algo que ainda não entendemos direito, mas que é preciso experimentar sem medo, com coragem e mente aberta para o novo.